domingo, 2 de novembro de 2008

Estado do Direito

Há muito que se discute se vivemos num Estado de Direito; a discussão já é antiga, já por aqui passou (por exemplo) e deve continuar a passar, de tão salutar que é.

Mas a discussão que me preocupou nos últimos dias foi: em que estado está o Direito em Portugal?
Também não é nova, levanta-se muito mais vezes do que as desejáveis, mas veio-me à cabeça a propósito da discussão das condições da carreira militar em Portugal.
Aliás, como basicamente deveríamos estar a discutir seriamente as condições de 99,9% das diversas carreiras profissionais em Portugal, diga-se.

Os sinais de falta de bom funcionamento do nosso Estado de Direito têm sido bem significativos e alguns deles já Descentralizados. Mas para mim, que estando à distância me é difícil ter acesso às pequenas grandes questões de Portugal, que são exactamente os mais comuns e importantes mecanismos do Estado a não funcionar, este acontecimento chamou-me e muito à atenção.

Será tudo isto sensacionalismo?

Será que são infames os rumores que há muito correm pela sociedade portuguesa, que a Revolução dos Cravos (refiro-me ao acto em si, à forma como foi feito, e não à ideologia ou ao conceito que lhe estava inerente e que mais tarde ou mais cedo, não tenho dúvidas que se faria materializar) apenas aconteceu porque uma classe militar, a dos Capitães, não era suficientemente recompensada, e apoiando-se na geral e evidente insatisfação social, agiu sem que as patentes superiores as conseguissem conter?

Não sei; o que sei é que desta vez parece que todas as classes militares se queixam.

Será que desta, em vez de cravos, vêm rosas com espinhos?

Pessoas teoricamente experientes, conhecedoras da realidade em causa e ainda por cima, que já exerceram funções de topo na gestão dessas mesmas classes, admitem que “a postura generalizada dos militares é uma sólida disposição, melhor, determinação, de não perturbar a normalidade democrática, já que é insuspeita a sua devoção ao regime, para cuja implantação tiveram contribuição decisiva. Mas a angústia provocada por situações de dificuldade, associada ao sentimento de que são objecto de injustiça relativamente à forma como são tratados profissionais da administração pública a que são equiparados, cuja persistência lhes parece absolutamente incompreensível, poderá conduzir a actos de desespero, capazes de gerar consequências de gravidade, que julgaríamos completamente impossíveis de voltar a acontecer” (Sr. GLS).

Será que o senhor também está a ser mal pago?

Sinceramente acho este tipo de declarações públicas, vindo de quem vêm, correm o risco de ser entendidas como um incentivo para os tais mais jovens, que “são os mais generosos de todos nós, mas são também os mais sensíveis a injustiças, os mais corajosos e destemidos, os mais puros nas suas intenções, os mais temerários (muitas vezes imprudentes)” (Sr. GLS).

Imprudente é o Sr. General José Alberto Loureiro dos Santos que tendo sido Chefe do Estado-Maior do Exército (1991 a 1992), que de forma tão descontraída e segura, caracteriza a nossa democracia como “avançada e madura” e “que não convém estragar”, se precipita dizendo coisas como: [Presidente da República e primeiro-ministro] leiam com atenção os sinais que saem da instituição e ajam, sem demora, em conformidade.

Em conformidade com quê?

Com a situação da falta de qualidade de vida da MAIORIA das classes profissionais/sociais portuguesas? Ou com a situação dos senhores militares, que só porque têm acesso a brinquedos de adultos sem juízo, em momentos de maior imprudência poderão fazer parvoíces?

Será que estou a ser sensacionalista?

Da ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE SARGENTOS, nos seus comunicados n.º 11 / 2008 – “A ANS afirma-se pelos Direitos!”, n.º 12 / 2008 – “Vencimentos e Dignificação”, e n.º 13 / 2008 – “À Atenção do Governo Português!”, este último de 27 de Outbro de 2008, apercebo-me da sua postura reivindicativa, firme e unida até que a Lei se cumpra, mas em nenhum ponto tão ameaçadora como a postura do Sr. GLS.

No auge da discussão, calculo que aquando do ENCONTRO NACIONAL pela DIGNIFICAÇÃO da FAMÍLIA MILITAR no dia 18 de Outubro de 2008 (sinceramente não me apercebi do seu real impacte social), o Expresso falou com a socióloga Helena Carreiras, especialista em temas militares, que apesar de alertar para a gravidade da situação, quando confrontada com a pergunta “Era possível um retrocesso para uma posição mais dura, quer dizer, os militares fartarem-se de reclamar ordeiramente e usarem as armas?”, responde: “Teoricamente, é possível estamos sempre a ser surpreendidos pela história com coisas que não antecipávamos, mas não acredito. Apesar de haver muita insatisfação - que deve merecer toda a atenção - não estão reunidas condições de tal maneira gravosas para isso. Significaria que os militares não teriam incorporado uma cultura democrática, e eu penso que fizeram. (…) Acredito que seriam os próprios militares os primeiros a impedir qualquer tentativa dos seus membros de violarem este contrato social e político.”

Pois olhe que se calhar não Sra. HC; se calhar os militares ainda não incorporaram assim tão bem essa tal cultura democrática.

É que entretanto, além da ANS já se ter unido à Associação dos Oficiais das Forças Armadas e aproveitado a onda gerada pelo Sr. GLS, endurecendo o discurso, veja só a resposta que o Sr. GLS parece ter feito questão de lhe enviar.

A si, ao Primeiro Ministro, ao Presidente da República, a mim, ao resto dos portugueses e possivelmente (digo eu e o meu mau feitio, mas espero muito sinceramente estar enganado) aos “mais generosos”, “mais sensíveis a injustiças”, “mais corajosos e destemidos”, “mais puros nas suas intenções”, “mais temerários” e “muitas vezes imprudentes”, jovens militares portugueses:

Costuma afirmar-se, e bem, que a nossa democracia, reforçada pela presença de Portugal na União Europeia, se tornou numa garantia de que os golpes militares não regressam. O que terá contribuído para o confortável sossego dos responsáveis políticos perante as vozes de alerta que se têm ouvido acerca do que preocupa os militares. E terá mesmo justificado a sua apatia, não agindo em conformidade com o dever de tratar os militares com o respeito e a dignidade que merecem, em consonância com as funções que o país lhes atribui nas situações mais difíceis e perigosas.” (…) “Convém não nos julgarmos blindados contra situações desagradáveis que possam vir a surgir, nem que insistamos em pensar que acontecimentos (funestos) do passado não voltam a acontecer".

As perguntas que se me impõem são:

Será que tudo está bem? E que isto não passam de desaguisados…
Será que tudo está mal, mas ninguém pode fazer nada?
Será que tudo está mal e que alguém, de forma democrática e de Direito, pode fazer alguma coisa?
Ou será que tudo está bem, até os senhores militares, que podem fazer alguma coisa (de forma abusiva, mas podem) começarem a mandar umas bocas?